Barcelos, Amazonas, 1984. – Vive e trabalha em Niterói, RJ.
Vencedor do PIPA Online 2019.
Indicado ao PIPA 2019.
Às vezes o desafio não é ocupar posições. Por exemplo, quando as que existem não servem, é necessário criar algo novo. Denilson Baniwa é um artista indígena; é indígena e é artista, e seu ser indígena lhe leva a inventar um outro jeito de fazer arte, onde processos de imaginar e fazer são por força intervenções em uma dinâmica histórica (a história da colonização dos territórios indígenas que hoje conhecemos como Brasil) e interpelações a aqueles que o encontram a abraçar suas responsabilidades.
PIPA de perto: o artista fala na coleção do Instituto
Confira abaixo as ideias por trás da obra “Forget me, please!”, de 2017, por meio da fala que o artista compartilhou conosco exclusivamente para o PIPA de perto. Denilson doou este trabalho para a coleção do Instituto quando ele venceu o PIPA Online 2019.
“Vou falar um pouco sobre a obra que foi doada ao Prêmio PIPA quando eu ganhei o PIPA Online. Ela é uma referência ao Lichtenstein; é baseado em um dos trabalhos dele e na técnica do artista. Quando fiz essa obra, estava pensando sobre as relações que as pessoas indígenas têm com o resto do mundo; em como os indígenas são vistos, na maioria das vezes, nas universidades, nos cargos, no trabalho; em como a sociedade de uma maneira geral enxerga os índios em um lugar de exótico, ou de qualquer outra coisa, menos como uma pessoa normal. Então essa pintura trata disso, dessas relações sociais onde os indígenas são vistos como exóticos, como corpos exóticos e quase objetificados, então é a partir desse lugar. É um trabalho em acrílica sobre tela que tem essa referência ao Lichtenstein, à Arte Pop, aos quadrinhos.
A escolha do Pop Art está relacionada ao contato bem grande que tenho com a arte de quadrinhos. Gosto dos artistas Pop, e esse trabalho tem em especial uma releitura de uma obra do Lichtenstein, então eu tentei usar os mesmos elementos que ele usava, mas adaptando para um lugar indígena, a partir de uma localização indígena.
O balão de fala em inglês é justamente para deixar a obra mais universal, sendo uma homenagem aos artistas Pop, ao quadrinho, e também extrapolando a língua portuguesa. Acho que esse uso do inglês também está relacionado a muita gente de fora querer conhecer a aldeia, conhecer o índio, e isso geralmente se dá com uma chave muito estereotipada. Tem esse apelo vindo de estrangeiros, quando querem conhecer indígenas na Amazônia”.
TEXTOS CRÍTICOS
LUIZ CAMILLO OSORIO* CONVERSA COM DENILSON BANIWA
Denilson, fale-nos um pouco sobre sua decisão de se tornar artista? Como era na comunidade indígena em que você nasceu e cresceu o convívio cotidiano com o fazer artístico e a experiência estética?
Na comunidade não há uma distinção do que é arte ou do que é vida, o cotidiano está ligado entre o construir uma pintura com pigmentos naturais nas paredes da casa de rituais (tal qual os afrescos) e fazer uma roça, ambos são conhecimentos que são passados através de gerações. Não necessariamente esses conhecimentos são estagnados, pois tanto a pintura na parede quanto o fazer uma plantação podem ser atualizados ou recriados a partir de cada pessoa ou de cada geração. Os povos indígenas sempre compartilharam estes conhecimentos, seja com cientistas ou pessoas que visitam as aldeias, mas no geral tudo isso fica restrito a um pequeno grupo que é da Academia ou “amigos de índios”. A decisão de ser artista vem da necessidade de compartilhar conhecimentos com um público que às vezes sequer sabe que ainda existem indígenas no Brasil, é alcançar estas pessoas pela via da afetividade ou emoção que não está ligada à uma predisposição de indigenistas.
Você trabalha com pintura e performance. Como foram sendo construídas essas linguagens?
A necessidade de mostrar algo que não consigo através da pintura me fez, por exemplo, transformar o jaguar em algo físico que as pessoas pudessem interagir de outras maneiras. Entendo que a performance é um meio de provocar diretamente e também de receber as respostas no mesmo ato. Como tudo para mim, a performance nasceu por uma necessidade de comunicar. O que fiz foi aliar o que há de conhecimento indígena às linguagens que penso ser visualmente artística.
Muitos dos seus trabalhos fazem referência ao uso de tecnologia pelas comunidades indígenas. Como você vê este processo? Em que medida este contato é transformador? Como você vê a penetração de formas de vida ocidentais na vida das comunidades indígenas?
Desde os anos pré-Constituição de 1988 que os povos indígenas viam a importância de se apropriarem dos meios de comunicação com debates presentes em suas discussões e esses meios já eram utilizados em prol do Movimento Social Indígena. Nos tempos atuais, esta necessidade permanece presente e se faz cada vez mais importante, pois através destas tecnologias e conhecimentos é possível realizar o reconhecimento e monitoramento territorial, a divulgação das questões indígenas dentro e fora do país, criar redes de povos onde possam unir ideias e estratégias, dentre outras possibilidades que são possíveis por meio das novas tecnologias.
Porém, ainda existem muitas pessoas que acreditam que não temos direito à modernidade ou à tecnologia. Esta crença diz respeito ao desconhecimento sobre o que vem a ser identidade cultural. O progresso tecnológico da humanidade vem contribuir em diversos setores da sociedade e é instrumento a serviço dos seres humanos. Já a identidade cultural está ligada à história de um povo, seus signos, suas pertenças, visões de mundo, cosmologia e o sagrado. Dessa forma a utilização de “modernidades” ou novas ferramentas não significa o abandono ou a perda da cultura indígena, pode, inclusive, ajudar a fortalecer a identidade e transpor mudanças que ocorreriam naturalmente ou forçadamente pela violência externa.
Como você enxerga a relação entre seu pertencimento a uma tradição cultural ameríndia e a arte contemporânea – que é tão globalizada e com códigos que tendem a ser muito padronizados?
É inegável que as culturas ameríndias sempre fizeram parte da construção do que hoje entendemos como arte contemporânea, desde o conhecimento sobre pigmentos, formas, técnicas de cerâmica, por exemplo, até o uso de substâncias que nos conectam com outros mundos. Acho que a pergunta real seria como a arte contemporânea enxerga (se é que assume) a relação da tradição ameríndia com ela, pois assim como Picasso buscou referências nos povos indígenas da Ásia e da África ainda hoje artistas contemporâneos (brasileiros) não existiriam se não fosse a apropriação das culturas e tradições ameríndias sem respeito algum. Eu enquanto Ser indígena, só venho ocupar um lugar que não vejo muitos indígenas ocupando, inclusive buscando dominar estes conhecimentos e linguagens não indígenas, tentando manter minha essência indígena, e estamos ocupando um território simbólico e hegemônico que historicamente construiu um imaginário da identidade nacional de forma excludente e discriminatória. Essa ocupação se verifica justamente pelo não reconhecimento que indígenas possam ser produtores de arte e conhecimento além do que está preestabelecido pelo imaginário da Academia e da sociedade. Os povos nativos sempre foram representados, expostos e estudados por meio do seu silenciamento. Dessa forma a arte produzida por indígenas, seja ela qual for (artes plásticas, cinema, teatro, fotografia etc.), nunca estará destituída de seu sentido e intenção política, mesmo que inconscientemente.
Você dialoga com outros artistas indígenas sobre a sua produção e a deles? Sua vinda para o Rio (Niterói) foi importante para o seu trabalho?
Sim, todos os dias. São artistas que respeito e procuro sempre estar junto, para que possamos ocupar lugares que nos foram trancadas a porta, e, se preciso for, fazemos uma escada para pular pela janela. São artistas de diversas regiões do mundo que estão produzindo muito e cada vez mais com qualidade e eu não quero ficar de fora deste grande movimento que está se fortalecendo. Minha vinda para Niterói foi um acidente romântico, foi e ainda é muito importante ter vindo, pois no sudeste tive acesso a ferramentas e conhecimentos que dificilmente teria na região onde nasci, além de poder acessar artistas que estavam usando a cultura indígena como escada e poder confrontá-los em seus próprios territórios. Mas minha vinda não foi exatamente para tentar a sorte na cidade (como marcam os que estão em êxodo), minha vinda foi para tentar a sorte no amor e fugir da guerra.
Como foi para você essa indicação para o Prêmio PIPA? Como você enxerga essa categoria da premiação online e que papel você acha que este prêmio terá na sua carreira?
Foi uma surpresa e uma alegria, pois tenho trocado muitas ideias com outros indígenas que passaram pelo PIPA. O Jaider Esbell tem sido um grande aliado e inspirador, a Arissana Pataxó tem sido também grande amiga, conversamos sobre produções e poéticas e o MAKHU, que através do Ibã Sales, tem me ensinado muito também sobre acessos aos mundos. Estar no PIPA como eles estiveram é uma felicidade que não posso medir, assim como espero que mais indígenas artistas estejam em breve. Não tenho uma visão sobre a categoria online, mas posso dizer que esta categoria me fez perceber o tanto de gente que me acompanha e torce por mim, isso não tem preço, ver minha comunidade me apoiando, ver outros indígenas de outros povos e comunidades me apoiando, me deu muita força, além, claro, dos amigos e muitos desconhecidos que deram o voto foi uma coisa que eu não esperava e me deu um ânimo que já estava se esgotando em mim. O PIPA já mostra que muita coisa irá mudar na minha carreira, os números de convites para exposições já é um indicativo da visibilidade e importância do PIPA.
*Luiz Camillo Osorio é curador do Instituto PIPA e um dos idealizadores do Prêmio. É professor e atual diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Foi curador do MAM-Rio entre 2009 e 2015. Acesse a Coluna do Camillo e leia textos exclusivos do curador do Instituto PIPA.
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