Belém, PA, 1965 – Vive e trabalha em Belém, PA
Representada pela Galeria Nara Roesler
Indicada ao PIPA 2012, 2013, 2014 e 2019
Vencedora do PIPA Online 2012
Finalista do PIPA 2013 e 2019
Berna Reale trabalha com instalações e performances. Estudou arte na Universidade Federal do Pará e participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, bem como nas bienais : Bienal de Veneza “É tanta coisa que nem cabe aqui”, representação brasileira na 56a Bienal de Veneza (Itália), 2015; Third Beijing Photo Biennial CAFA art Museum (China, 2018); Please Come Back, MAXXI (Roma, Itália),2017; 34o Panorama da Arte Brasileira (São Paulo, Brasil), 2015; Artists Engaged? Maybe, Gulbenkian (Lisboa, Portugal), 2014; Foto Bienal Masp, MASP (São Paulo, Brasil), 2013; Bienal de Fotografia de Liège (Bélgica), 2006; Bienal de Cerveira (Vila Nova de Cerveira, Portugal), 2005.
PIPA de perto
PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto
“Todos olham para os gatos #1”, 2019, fotografia, 100 cm x 150 cm
“‘Todos Olham Para os Gatos’ é um trabalho que fala sobre preconceito, violência de gênero e padrões. O título deve-se ao fato de que uma das imagens mais vistas e compartilhadas na internet é a de gatos, e muitos se negam a ver a violência que sofre os que não se enquadram nos padrões sociais. É um trabalho irônico sobre o não olhar o outro, não olhar para o semelhante, para sua própria espécie. O problema não é olhar os gatos, o grave é não olhar para os humanos que sofrem preconceito”. – Berna Reale
Texto crítico
Luiz Camillo Osorio conversa com Berna Reale
Luiz Camillo Osorio: Como você decidiu ser artista? Teve alguma formação em escolas de arte? Quais os artistas que mais te influenciaram na sua formação?
Berna Reale: Eu nunca pensei em ser artista, cheguei até a fazer vestibular para medicina, administração e direito, mas também nunca sonhei em ser nada disso, era muito jovem quando fiz meu primeiro vestibular – com 16 anos você não sabe muito bem o que quer. Fui para a área da arte pois conheci uma pessoa que me disse que eu deveria fazer educação artística, que teria tudo a ver comigo. Fui saber o que era e fiz o vestibular, mas não foi na faculdade que me apaixonei por arte, foi em uma fundação para crianças carentes na periferia de Belém, ali eu me encontrei com a arte.
Quando estava na faculdade eu gostava dos trabalhos do Tunga, da Regina Silveira e do Cildo, mas não sei se fui “influenciada” por eles, penso que o que me “influenciou” sempre foi o mundo da arte e suas infinitas possibilidades. Penso que durante a faculdade o que foi pontual em minha formação foi conhecer a matéria semiótica, essa sim, me agarrou de jeito, até hoje eu tento estudar e observar para que o meu trabalho alcance o que eu quero e a semiótica para isso é fundamental.
LCO: Queria que você falasse um pouco sobre a relação entre seu trabalho como fotógrafa/perita da polícia de Belém e o desenvolvimento de sua poética tão relacionada com a questão da violência. Coloco isso, pois à primeira vista esta pode ser uma relação óbvia, causal, mas o modo como você desenvolve sua obra é ao mesmo tempo mais sutil e mais violenta do que se fosse apenas um desdobramento do trabalho documental. Fale um pouco sobre como você enxerga isso?
BR: Na realidade sou Perita Criminal e no Pará não está dentro da Polícia, é um órgão mais ligado à Secretaria de Segurança pois é científico e trabalha junto com a polícia na cena do crime. Nesse caso não sou fotógrafa na Perícia sou Perita Criminal responsável por fazer um laudo criminal apontando os vestígios encontrados na cena do crime e suas possíveis relações com o crime. A fotografia entrou na minha vida antes de eu ser perita.
Quanto à questão de falar de violência por meio do meu trabalho, foi a arte que me levou a ser perita. Pois foi fotografando uns cadáveres para uma exposição que conheci a profissão de perita e me envolvi com essa área. Penso que a sutileza com que meu trabalho tenta falar da violência venha por causa do meu fascínio pela semiótica. Existem mil caminhos por meio dela de se falar da violência com códigos e símbolos sutis.
A semiótica para a arte é muito importante, para mim se o artista não consegue resolver com a imagem o trabalho ele já está comprometido e nem sempre falar de violência precisa ser com sangue. A imagem tem que estar resolvida, redonda.
LCO: Como é para você trabalhar a performance e o desdobramento dela em vídeo e/ou fotografia? O que mais te interessa como linguagem?
BR: Eu gosto muito de fazer performance, tanto para registro em fotografia quanto para registro em vídeo. Gosto de performance de rua pois tem uma adrenalina diferente, uma energia que te exaure, mas também te alimenta. O problema é que performance é muito caro e demora muito e aí não dá para fazer quantas você imagina, tem que planejar muito antes.
Está cada vez mais difícil para mim, pois sempre estou querendo fazer algo que ainda não fiz e em proporções maiores. Estou cada vez mais exigente comigo e com o resultado e cada vez penso em projetos grandes e isso eleva tudo, custos, preparação, equipe, etc.
LCO: A questão feminina, a violência sofrida pela mulher em uma sociedade machista e patriarcal como a brasileira, tem presença marcante em seu trabalho. Você se considera uma artista assumidamente feminista?
BR: Nunca pensei em levantar uma bandeira, pois quero falar sobre tudo que me incomoda. Se falei sobre a violência contra a mulher foi porque isso me desestabiliza. Se por achar que o mundo deveria ser justo com as mulheres, menos preconceituoso, deixando de colocar a
mulher sempre em uma posição de submissão, então sou feminista, mas não gosto de me colocar em categorias ou em enquadramentos, sou uma artista livre para falar do que quero.
Eu me importo com tudo que seja relacionado ao coletivo e ao humano independentemente de raça, crença, sexo ou gênero.
LCO: Fale um pouco sobre o processo de produção. Quem filma? quem edita? Quanto há de preparação para as performances?
BR: Acabei de realizar a performance de produção mais longa da minha vida – Ginástica da Pele e foi até agora a que mais demorou para ser elaborada, 1 ano e meio exatos! Muito longo, muito difícil e muito caro e que contou com a produção de mais de vinte pessoas envolvidas na organização. Só a equipe de filmagem, fotografia e som eram 8 pessoas. Se isso fosse trabalho de uma Fundação ou Instituição ok, mas era um trabalho de uma artista e que teve que contar com o apoio de 28 pessoas que apoiaram financeiramente para o projeto acontecer. Eu tenho uma equipe que trabalha comigo já há alguns anos, a maioria me acompanha desde Palomo. Mas não são exclusivos e aí só os vejo quando estou para realizar um trabalho.
Queria ter dinheiro para levá-los pelo mundo comigo, para fotografar e filmar. Esse é meu sonho, mas sei que é muito difícil. Fico imaginando, às vezes, se eu fosse uma artista rica ia amar ter uma equipe exclusiva afinada, que estivesse sempre se preparando para cada vez mais entender o que quero com minha imagem, mas não tenho nem atelier quanto mais equipe exclusiva.
Sim eu edito junto com um técnico que filma meus trabalhos que é também cinegrafista, o Diego. Escolho cada segundo, faço questão, não tenho maturidade emocional para passar a direção do meu trabalho para ninguém, sou controladora de tudo desde a ideia até a
execução. Tenho meu namorado Victor que me ajuda em tudo, inclusive fotografa, sem ele seria impossível, pois é mega organizado. Apesar de saber de sua capacidade, fico de olho em tudo, cobrando tudo, sou insuportável.
LCO: Como tem sido a recepção internacional do seu trabalho?
BR: Aos poucos, devagar, vai acontecendo. As pessoas ligadas à área da performance já estão vendo alguma coisa minha, pelo menos ouvindo falar. Tudo o que acontece lá fora com meu trabalho tenho que ficar feliz, mesmo que seja mínimo; pois imagine o que é uma artista nascer há 53 anos atrás, na floresta amazônica, quando era impossível se pensar que existiria internet, em uma família sem recursos, conhecer São Paulo com 29 anos, fazer sua primeira exposição individual em São Paulo com 49 anos e conseguir chegar a mostrar seu trabalho já na Bienal de Veneza! É ser uma artista de sorte, muita sorte né? Então, como sei o quanto tudo é difícil e são muitos fatores para o artista ter um trabalho reconhecido internacionalmente, eu já estou muito feliz com meu trabalho. Já consegui muito e tento não criar expectativas, ir trabalhando com entusiasmo e quem sabe com sorte ir mostrando o que faço para as pessoas em outros lugares do mundo.
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