Alice Miceli

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Rio de Janeiro, RJ, 1980. – Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ

Representada pela Galeria Nara Roesler.

Indicada ao PIPA 2010, 2011, 2012 e 2014.
Vencedora do PIPA e do PIPA Voto Popular 2014.
Membro do Comitê de Indicação PIPA 2015 e 2017.

Alice Miceli desenvolve seu trabalho através de pesquisas em viagens investigativas com a intenção de mostrar manifestações virtuais, físicas e culturais de traumas ocorridos em paisagens naturais e urbanas. A artista trabalha com fotografia e vídeo, focando nas barreiras e potencialidades dessas mídias e suas materialidades específicas. Lidando com assuntos sociais e políticos, Miceli explorou, por exemplo, locais como a Zona de exclusão de Chernobyl, na Bielorússia, e trabalhou com arquivos de pessoas assassinadas no Cambodia, sob o regime do Khmer Vermelho. Em outra pesquisa, fotografou e examinou campos minados em lugares como Camboja, Angola, Colômbia e Bosnia, ainda infestados com minas terrestres. Seu objetivo é evidenciar visualmente no espaço as consequências da contaminação das minas e de outros resquícios explosivos de guerra nos mais variados contextos de regiões gravemente afetadas.

Suas exposições incluem a 29ª Bienal de São Paulo e Galeria Nara Roesler em São Paulo, SP e Max Protetch Gallery, em Nova York, EUA. Seu trabalho é exibido em festivais e instituições em diversos países, incluindo: Japan Media Arts Festival, no Japão; Festival TRANSTIO_MX, na Cidade do México, México; Transmediale Festival, em Berlim e Documenta XII, em Kassel, Alemanha. Residências incluem MacDowell Colony (EUA), Bogliasco (Itália), Bemis (EUA), Djerassi (EUA) e Dora Maar House (França). Uma longa conversa com a artista foi editada em colaboração com o Skull Sessions, em Nova York. Além de vencer o Prêmio PIPA 2014, Alice foi vencedora do Cisneros Fontanals Art Foundation Grants & Commissions Award (Miami), em 2015.

Nota sobre as obras da artista na coleção: Em 2014, Alice Miceli foi eleita, pelo Júri de Premiação, a vencedora do Prêmio PIPA e também foi a artista mais votada na exposição dos Finalistas no MAM-Rio, sendo a vencedora do Prêmio PIPA Voto Popular Exposição. Ela apresentou na exposição a série “Campos Minados – Camboja”, obra que doou ao Instituto na época. No início de 2018, o Instituto procurou Alice e a Galeria Nara Roesler para a aquisição de mais obras da artista. Naquela época ela estava programando o quarto capítulo da série “Campos Minados – Angola”. O Instituto decidiu comprar os outros conjuntos de fotos da série, Colômbia e Bosnia, e comissionar o projeto de Angola.

De maio a julho de 2019, o Instituto PIPA organizou a exposição individual de Alice Miceli, “Em profundidade: Campos Minados”, na Villa Aymoré mostrando a série completa da coleção.

De maio a junho de 2022, a Escola das Artes no Porto, em Portugal, apresenta a mostra individual “Em Profundidade (campos minados): Angola e Bósnia” de Alice Miceli com curadoria de Luiz Camillo Osorio, curador do Instituto PIPA. Ambas as séries sendo expostas fazem parte da coleção do Instituto PIPA.

PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto

Série “Campos Minados – Angola”

“O processo de trabalho em Chernobyl me levou a considerar questões de representação de paisagem. Mais especificamente, de uma paisagem, nesse caso, que foi alterada fundamental porém invisível; uma paisagem que é vazia e, ao mesmo tempo, repleta de uma energia invisível: a radiação que está no espaço por toda a parte, mas que que não se revela à nossa visão, exceto pelos rastos de destruição que deixa para trás e o espaço ‘negativo’ que termina por ocupar de forma permanente, porque para todos os efeitos, em se considerando a temporalidade humana, a duração da contaminação radioativa é eterna. Depois que terminei o projeto Chernobyl, percebi então que queria levar essa questão adiante e pensar quais outros espaços inacessíveis há no mundo, e que outras problemas de representação eles poderiam levantar. O próximo passo, me ocorreu, seria olhar para locais tomados por minas e outros explosivos remanescentes de guerras.

Apesar desses espaços, como o da Zona de Exclusão de Chernobyl e de campos minados em diferentes partes do mundo, serem decorrentes de eventos traumáticos tais quais guerras, conflitos e desastres e serem localizados historicamente no tempo com uma data marcada, não se limitam contudo apenas ao passado. Perduram, se estendendo ao tempo presente, dado que Chernobyl continua tomado pela radiação gama invisível até hoje e assim seguirá ainda por centenas de anos; e Angola, Colômbia, Camboja e Bósnia também seguem com seus ambientes tomados por explosivos mesmo décadas depois que os conflitos responsáveis por esta situação já tenham terminado. São, desta forma, ocupações que continuam contemporâneas à nossa existência atual no planeta.

Um dos lugares com o pior problema de ‘contaminação’ por minas terrestres segue, hoje em dia, sendo Angola. Durante a guerra de independência com Portugal, que terminou em 1975, esses tipos de explosivos foram empregados, e depois, durante os vinte anos de guerra civil que se seguiram à independência, também, e de forma extensiva, resultando na maior densidade de explosivos por metro quadrado do planeta. Por lá, em certas regiões, há mais minas do que gente.

Nessa situação, dentro do espaço de um campo minado, posição é o elemento mais crítico: a diferença de um passo ao outro pode ser a diferença entre a vida e a morte. Posição que, em fotografia, articula o que se vê e de onde, a partir de qual e de quantos centímetros de terra se tem debaixo dos pés. Assim, a operação poética do trabalho se dá, justamente, na ativação desses elementos tanto em relação à minha atuação de decidir acessar e criar pontos de vista por dentro desse espaço tomado, onde teoricamente ninguém deveria mais pisar, como também na consequência dessa ação para a imagem fotográfica, do que dela se dá a ver nessa tensão entre esses dois polos”. – Alice Miceli


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Conversa com Alice Miceli, por Luiz Camillo Osorio
[Texto publicado em junho de 2016, na Coluna do Camillo, no site do Prêmio PIPA]

1 – A formação do artista, cada vez mais, se torna algo indispensável e passa por algum tipo de escola. Muitas vezes dá-se mesmo uma formação acadêmica com mestrado e doutorado. No seu caso, sei que essa trajetória foi mais errática, mais interdisciplinar. Esta característica certamente teve influência no tipo de pesquisa que atravessa sua poética. Fale um pouco sobre esta formação e como foi se dando esta passagem da “escola” para o “circuito” de arte.

Eu cresci querendo fazer cinema, e desde bem nova, arrumei uma câmera fotográfica. Era na época do Governo Collor, quando o audiovisual parecia que tinha morrido. Eu pedia para os meus pais, procurava em todo canto e nunca achava nenhuma aula de cinema que criança pudesse fazer. Fui tentando aprender a me virar com uma câmera fotográfica, então a coisa que me parecia ser a mais próxima do cinema. Aos quatorze, vi um filme do Bergman pela primeira vez, o Sétimo Selo, ou Gritos e Sussurros, não me lembro ao certo. Eu não conseguia explicar por que, mas ficava com uma impressão de que estes filmes não eram iguais a maioria, e ficava revirando na minha cabeça o porquê deles serem diferentes. A partir daí, assisti tudo do Bergman, do Antonioni, do Visconti, do Bertolucci, do Neorrealismo Italiano, da Nouvelle Vague, e dos ingleses David Lean, Hitchcock, dos Hollywoodianos, John Huston, William Wyler, Billy Wilder e tantos outros… passei minha adolescência inteira assistindo filmes, de vários gêneros e procedências. Meu pai é totalmente cinéfilo e sempre dizia: primeiro assista, depois julgue, querendo dizer, eu acho, que se filmaram, é para ir dar uma olhada a fim de descobrir o que está em jogo em determinado filme, e a partir daí pensar sobre esta experiência audiovisual, e não o contrário.

A nossa casa, na minha infância e adolescência – e a casa do meu pai até hoje –, era cheia de livros, livros acadêmicos, de literatura, de fotografia, de arte, e eu passava horas olhando esses últimos, e lendo os primeiros, também. Pensando em retrospecto, acho que era uma intuição de que estas disciplinas todas são interligadas. Acho que a influencia deles (meus pais), ambos intelectuais, professores de ciências humanas, foi decisiva. Juntou-se com e encorajou o meu interesse próprio pelas artes, em geral, e pela fotografia e pelo cinema, em particular, levando-me a pensar o que acontece nestes fenômenos visuais.

Na graduação, estudei cinema na França, e descobri muitos outros cineastas que não tinha visto – Chantal Ackerman e Chris Marker, por exemplo. Depois, trabalhei brevemente na indústria de lá. Foram meus primeiros estágios em produção e edição. Também aqui, no Brasil, fui assistente de direção em alguns documentários e longas de ficção. Até esse momento, o cinema, e, num sentido mais amplo, questões da imagem em movimento, tinham sido toda a minha formação. Apesar dessas experiências na indústria terem sido muito enriquecedoras em diversos níveis, comecei a achar que o formato predefinido da convenção cinematográfica – o filme de ficção de uma hora e meia, que se filma fora de ordem, verticalmente, repetindo uma mesma cena em várias tomadas, que em seguida são selecionadas e arrumadas como um todo, horizontalmente, na montagem – comecei a achar que esta forma, apesar de em si inesgotável e de continuar para sempre vibrante e cheia de possibilidades, era apenas uma entre tantas outras possíveis para imbuir sentidos em imagens. Como o próprio Bergman já tinha mostrado, mesmo dentro desta convenção, as possibilidades são infinitas, e existem muitas formas de se explorar o mundo com uma câmera. A partir daí, resolvi que queria pensar em projetos próprios e achar jeitos de realizá-los.

Fui então estudar com o Charles Watson, no estúdio dele da Rua Mundo Novo, e no Parque Lage. O Charles é um cara extraordinário, um professor genial. Uma das pessoas mais intelectualmente generosas que conheci. Parei de trabalhar no cinema e fui fazer o workshop intensivo de desenho e conceitualização que ele criou, chamado Procedência & Propriedade. Acabei fazendo mais duas vezes depois e continuei no grupo de estudos do Charles por um bom tempo. Sinceramente, eu amo tanto a dinâmica da situação que o Charles criou neste curso, que gostaria de participar do workshop de novo. Depois de tanto tempo, acho que seria interessante, mas se ele deixar, é claro (risos). O que acontece neste curso é que através do desenho, exercitado à exaustão, o olhar dos alunos, dos professores, de todo mundo, vai sendo gradualmente alterado, ampliado, ficando mais atento. O Charles foi o meu mentor de uma forma geral, e foi também a base da minha formação nas artes visuais propriamente ditas, para além da experiência que tive crescendo com o cinema e a fotografia, e depois estudando estas disciplinas. Ou melhor, não para além, mas junto: criando uma síntese entre todos estes campos, incentivando que exercitássemos nosso olhar e curiosidade em diversas áreas, das Ciências Humanas e das Artes Visuais às Ciências Exatas, considerando a fisicalidade do mundo, na física, na matemática, na engenharia, no esporte, na música, e no que mais pudesse atiçar e propor questões interessantes. Esta formação interdisciplinar foi vital para mim. Ao mesmo tempo, fui fazer também a pós-graduação Latu-Sensu de História da Arte e Arquitetura do Departamento de História da PUC-Rio, e foi importante para mim seguir estas formações ao mesmo tempo, pois eram perspectivas diferentes sobre questões parecidas. Eu adorei isso.

Depois de um tempo com o Charles, comecei a pensar e desenvolver projetos próprios. Neste quesito, minha experiência trabalhando na indústria do cinema, mesmo se não muito extensa, me ajudou bastante, pois eu conseguia ver como organizar uma produção e pô-la em prática, mesmo sozinha. Em termos da passagem ao circuito, comecei a mandar meus trabalhos para as seleções de festivais no Brasil e no exterior, até que um trabalho foi selecionado para o Premio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, em São Paulo, e outro para o transmediale, em Berlim, e então este aspecto de ir entrando em um circuito foi se desenvolvendo gradualmente.

2 – Em um mundo cada vez mais globalizado, em que os artistas fazem residências e viajam para exposições, bienais e feiras por todo canto, o sentimento de pertencer a determinado contexto cultural parece arrefecer. A própria denominação de artista brasileiro fica muitas vezes obsoleta e sem muita relevância. Como você vê na sua obra – que trata de aspectos tão universais – o pertencimento à cultura brasileira? Ou seria essa uma questão simplesmente irrelevante? Em sendo irrelevante, haveria uma irrelevância própria a este lugar de origem na sua poética que é o Brasil?

Não acho irrelevante. Acho que definitivamente importa muito onde alguém nasceu, para a pessoa em si – para mim, ter nascido no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1980. Importa o fato da minha língua materna ser o português do Brasil, da minha cognição ter se formado nesta língua. Importa que minhas primeiras experiências tenham se dado no Rio, no Brasil. Que minhas primeiras experiências estéticas, na infância, tenham a ver com a paisagem, a fauna e a flora do Rio de Janeiro. Acho que este pertencimento é uma parte vital na formação de um sujeito, num sentido amplo de formação. Assim como a persona de um ator está sempre com ele, em cada papel, em cada trabalho que ele realize, por mais camaleão que ele possa ser.

No entanto, não acho que esta formação primeira deva ou tenha que aparecer sempre de maneira literal em qualquer trabalho. Por outro lado, e embora não tenha sido o meu caso, isto não impede que não haja obras em que o artista possa escolher – por que não? – usar dados biográficos, ou se referir abertamente a questões de identidade nacional, usando estes elementos como matéria-prima para uma obra.

3 – A dimensão documental e a potência fabulatória se articulam na sua poética. É como se o político e o artístico não tivessem fronteiras claras. Há nisso, também, uma espécie de pesquisa sobre o desamparo ontológico que constitui nossa relação com o “real”, sobre o modo como articulamos o que vemos e o que dizemos. Fale um pouco de sua relação com a imagem e seus efeitos políticos?

Tenho a impressão de que o artístico e o político de fato não têm fronteiras claras. Isso não quer dizer que trabalhos artísticos, para terem uma dimensão política, tenham que lidar em sua temática com algo literalmente político de forma ilustrativa, como documentar protestos ou ativismos; o que, ao mesmo tempo, não implica que um trabalho que tenha como matéria-prima temáticas do tipo não possa ser interessante. Acho que tudo depende do que está sendo problematizado em determinada obra e de que forma. Não há regra pré-definida.

Acho que a arte tem um caráter político intrínseco, e subversivo: estar diante de uma obra – seja ela um poema em blank verse (pentâmetro iâmbico não rimado) sobre um menino pulando de árvore em árvore, publicado por um modernista em 1916 (“Birches”, de Robert Frost), seja uma peça de teatro contemporânea, na qual vários fluxos de consciência são incorporados por uma única atriz, sozinha num palco em Dublin (“A Girl is a Half-Formed Thing”, de Eimear McBride, adaptada para o teatro por Annie Ryan), seja, no século XVII, a obra de Bach, que respaldou de forma magistral a reorganização das alturas da escala tonal com a criação de prelúdios e fugas em todas as tonalidades, podendo desta forma serem todos executados por um único instrumento (“O Cravo Bem Temperado”), seja até mesmo uma série fotográfica convencionalmente documental, produzida não faz muito tempo, na qual vemos sequências intermináveis de containers encapsulando mercadorias não identificáveis ao redor do mundo, ilustrando de forma contundente a materialidade do fluxo de capital que rege nosso mundo, e que hoje em dia pode nos parecer tão incorpóreo (“Fish Story”, de Allan Sekula), seja ainda outros infinitos exemplos que poderiam substituir esses – acho que estar diante de uma obra de arte, tendo uma experiência estética, produz possibilidades novas, impensáveis antes. Alarga, muda, questiona, ou simplesmente chama atenção para a nossa percepção da ordem vigente, do que foi mas não deveria ser sempre normalizado, do que podemos mudar no mundo, a começar pela nossa própria percepção.

Parece-me também que há uma indefinição entre o estatuto da imagem ficcional e documental: não há fronteira clara. Será que a imagem conteria nela mesma uma verdade, ou seria um ponto de vista que diz algo, sempre contingente? Parece-me difícil propor uma distinção ente documentário e ficção em relação à imagem em si, por exemplo, quando consideramos que uma ficção pode conter imagens “autênticas, reais”, como em “A Insustentável Leveza do Ser”, do Philip Kaufman, e que um documentário pode conter imagens de ficção, como no lindo filme da Sandra Kogut, “L’Histoire de Pierre et Claire”. Eu diria que a questão do real aparece então – para além do conteúdo da imagem – como estando ligada à construção do ponto de vista e do quadro.

4 – Tanto na série de Chernobyl, como na série dos campos minados e especialmente em 88 de 14.000, somos confrontados com o limite da representação, com o que parece interditado à representação. São situações sem distanciamento possível, em que parece estarmos sempre comprometidos de dentro, ou seja, sem um fora possível para a visão. Se formos pensar de forma mais específica, diria que estas obras nos colocam em uma espécie de além do possível – em termos éticos, diante do intolerável. Para alguns, como na discussão do holocausto, por exemplo, dar uma imagem ao intolerável seria uma espécie de tolerância arriscada. Para outros, este seria o lugar da expressão fora da representação, que mais uma vez, ao expandir nossa capacidade de experimentar o inimaginável, tocaria em uma dimensão política da imagem – em uma política própria à imagem, que seria a própria potência não ilustrativa da imagem, a imagem alegórica para Benjamin, ou quiçá o sublime para Lyotard. Como você vê isso a partir deste compromisso que seu trabalho tem com o além da representação?

Pertenço ao time dos que acham que a poesia depois de Auschwitz é não só possível como necessária. Não acho que exista um “irrepresentável” absoluto. Nas sete décadas desde o fim da Segunda Guerra, estamos aí, às voltas com todo tipo de tentativa de representação daquele horror inimaginável. Primo Levi, Dov Kulka, Spielberg, Resnais, Roberto Benigni, Agamben: todos tentando, ao seu modo, narrar, testemunhar, pensar, e representar aqueles acontecimentos, ou o que resta e permanece deles.

Em matéria de tragédias e desastres, acho complicado tentar hierarquizar o que é mais inenarravelmente horrível. Infelizmente, nossa história e nosso cotidiano padecem de horrores em abundância.

No caso de meus trabalhos que lidam com situações nas quais representações convencionais parecem falhar – como a contaminação radioativa de Chernobyl, que é literalmente invisível; ou o genocídio Cambojano, no qual mais de duas milhões de pessoas morreram em quatro anos de ditadura do Khmer Vermelho; ou, atualmente, em minha pesquisa sobre diferentes espaços pelo mundo tomados, até hoje, por contaminação causada por minas terrestres, que permanecem ativas e letais mesmo décadas depois que o conflito em sua origem tenha cessado –, o que me move são os limites que essas situações me obrigam a desafiar, fazendo-me cogitar que imagens poderiam ser passíveis de representar estes espaços negativos, tomados por algo que parece fugir à compreensão.

5 – A presença do mercado é para sua obra mais um estímulo ou uma dificuldade? Não se trata de querer viver sem ele, todos precisam pagar contas, mas há uma medida e uma liberdade que pode muitas vezes ficar comprometida caso as demandas do mercado fiquem excessivas. Esse é um problema de todos, mas há certa especificidade no circuito de arte, onde as idiossincrasias são superlativas. Fale um pouco sobre como você lida com isso.

É definitivamente um estímulo. No mundo em que vivemos, tudo pertence a mercados. A arte, assim como o cinema e outras esferas criativas, pode ter suas relações mais ou menos problemáticas com este âmbito das coisas, mas este âmbito faz parte da existência de tudo no nosso mundo. Como você colocou, trata-se de um equilíbrio delicado, mas que, ao mesmo tempo, pode muitas vezes também criar diálogos interessantes, por exemplo acerca de concepções alargadas do que pode constituir uma coleção privada, ou institucional; ou questões de arquivo e de preservação de trabalhos em mídias não tradicionais, questões estas que podem novamente servir como uma retroalimentação criando novas curiosidades artísticas a serem exploradas.

Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2014
Alice Miceli na Residency Unlimited, Nova York, EUA – 1º Vídeo | Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2015.
Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2010.
Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2011
Alice Miceli na Residency Unlimited, Nova York, EUA – 3º Vídeo | Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2015.
“In Depth (landmines) / Cambodian Series”. Duração: 01’35”
Para saber mais sobre Alice Miceli, acesse seu perfil completo no site do Prêmio PIPA.